sábado, 16 de janeiro de 2010

Tua presença faz a vida me acertar







Após a travessia de túneis escuros, declamo de cor o primeiro verso do “Ulisses” de Pessoa: “O mito é o nada que é tudo”. Só quem atravessou túneis, adros, pontes, passadiços... sabe desta matéria concreta. Matéria da qual são feitos os sonhos e construídos mitos. Sei dos esquemas capitais e do cargo que atualmente assumes na prefeitura. Como amante de fluxos e movências, te ocupas com a decapitação de monstros que atanazam os munícipes e com o investimento na produção de teus filhos e eleitores, correto?

Prossigo com alma lavada. Lavada na chuva sobre o telhado da casa de campo. A imagem irriga em ti amores idos. Uma mulher reluz numa pegada pós-chuva. Pegada que você narra com as garras de quem apaga a luz para que a lanterna brilhe azulando a escuridão da sala e o pau quebre.

Bebo no brilho da lanterna deste olhar que tenta petrificar o instante. Os versos às vezes ardem, sei. Zunem no canteiro noturno. Procuram pouso. Versos abrem estradas. Dançam na noite da floresta negra. Letras dizem para eu plugar a boca no branco como cor que restaura a poça da vida. Mergulho no avesso desta pele. Vou fundo até ouvir o ronco que me conduz pela estrada noite adentro. A guia é toda tua. A mão que aperta, também. Desço pelo túnel escuro com trilha sonora de tua tosse. Não reclamo qualquer zunido; a tua presença faz a vida me acertar.

Sabes, por escrito, da “estima exponencial” – eu disse com todas as letras. Recuperando a memória afetiva, ordenas fragmentos de uma história repleta de cheiros, chás, suores, corpos em estado de sítio ou liquidação. Sob as bênçãos de Santa Libido, rogai por nós. Com a determinação de uma mancha que, lambida, vira signo. Assinatura corporal.