terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Segunda Carta do Fim










Praia de Pitangui, Outubro de 1995

My dear

Aqui de dentro desta noite, sem imagens nem barulhos, concluo as tarefas domésticas. Continuo exímio na postura da mesa na hora da novela. Não perco hábitos e roteiros do seu tempo: a mesa farta de nordestino, palito após as refeições, Tambora por perto. Depois, começa a parte das leituras, escritas, livros na estante.

Uma batalha atroz me espera logo ali pós-garras gastronômicas que hoje receitam sangue na farofa. Espada com cebola e céu azul no jantar. Ás vezes, o rango é servido na cama, acredita? Agora, Bem, é tudo ou nada: um rio deságua no primeiro mês do ano ou ao norte dos dias que não são para principiantes. Aridez sem qualquer noção de acolhimento. Minto: acolhimento sempre adiado. Aquela imagem das duas luas gêmeas em carne-nuvem agita a minha aparente calmaria pós-sessão de análise. Acolhem. Elas põem umidade na tela do meu pc só de pensar. Tento disfarçar.

Penso sempre naquela foto do espelho que você postou. O espelho me arma. Arma para luta. Fez-se verbo. Com outros, aciono minha porção Ramos, digo, Graciliano, e esbanjo contenção viril. Falo pouco. Aprendi lendo Camus e o mito de Sísifo, suas pedras em silêncio. Reconheço que quando era contigo, era outra a parada. Mas eu sinto alguma mudança e, quem sabe, amenizo no plano onírico.

Retirada a mesa, piso no real onde você já não reina com um vigor que me enche de alegria e admiração os olhos. Reouvi, nesta reta final, as gravações do anel que ganhei de ti. Está escrito com a tua letra: “No próximo café te passo a cópia”. Promessas... Jamais passou. Como negou o sorriso, cortou o tesão, vai o início: “Quando com minhas mãos de labareda...” Lembrei o rinoceronte. Dele continuo curtindo a pele espessa, pregueada, o focinho. Largo e arredondado – a forma em estado de movência – prefiro o hipopótamo na voz de uma amiga que canta à capela. Ela serve uma dobradinha que só vendo nas escolhas o tempero.

Como Ramos e Clarice, reconheço que você sempre soube o que fazer com temperos e animais. Nisso está a sua maestria. Por isso essa força sua (pronome e verbo, please). Mesa farta que nunca seca: a questão da consciência social, a temática da memória, a escrita do exílio ou as leituras do desejo e do poder. Lembro que na seqüência tomava uma dose para perder o medo de perder o foco. Perdeu? Perdeu porra nenhuma!

Enquanto punha a mesa, concluía as tarefas domésticas, fiquei excitado lembrando daquele “poder de rasgo”. Aqui de dentro deste abismo, encaro frango na sopa de legumes. Lavo a louça. Enxugo. Passo que é uma beleza. Confesso que as leituras do César Aira e teu post de ontem detonaram a gripe. Mas a tua ausência, creia, já não faz a noite me acertar.