sábado, 5 de dezembro de 2009

Veríssimo








Os escritores Veríssimo de Melo e Câmara Cascudo


Rio de Janeiro, 1999 - 2009

Professor, advogado, escritor

Lendo o jornal O Galo nº 9 – Setembro /99, deparei com o texto “Veríssimo, Verismo” - perfil traçado pelo crítico Dorian Gray Caldas sobre o autor de O Conto Folclórico no Brasil (1976), falecido há três anos. Não disponho do cabedal de memórias do referido crítico, mas possuo marcas de Veríssimo de Melo. Não sou de sua geração; porém tive o prazer de conviver com ele por algum tempo - início dos anos 90 -, quando frequentávamos o Bar e Restaurante Gramil, do grande Seu César, ali na curva do início da Hermes da Fonseca, em Petrópolis, Natal-RN.

Meu encontro com o professor Veríssimo tem como cenário este tranqüilo e discreto ambiente, ao qual levava sempre meu pai e os amigos que freqüentemente me visitavam no ap cuja entrada se dava por uma bela floricultura. Do Gramil, lembro o chope acompanhado de pastéis preparados na hora, além das plantas que praticamente encobriam a fachada do prédio. Lembro também dos pássaros que compunham a única trilha sonora do local. Oralidade a mil.

Recordo que, de início, chamou-me atenção a cena sempre repetida: via numa mesma mesa aquele senhor magro, moreno, discreto, óculos escuros. Sempre tomando um drink. Às vezes, acompanhado por uma mesma mulher, que depois descobri ser sua esposa; às vezes, na presença de algum interlocutor. Às vezes, sozinho. Pela constância com a qual a cena se repetia, percebi tratar-se de um cliente diário que terminava almoçando no local. Não era um frequentador comum: tratava-se do professor de Antropologia Cultural da UFRN. O homem que organizou, dentre outros livros, as Cartas de Mário de Andrade a Luís da Câmara Cascudo (1991).

Nossa aproximação foi rápida e teve como elo a literatura. Como secretario da Academia de Letras e Presidente do Conselho Estadual de Cultura, ele fez doação de dicionários para o Colégio Agrícola de Ceará Mirim, onde eu lecionei durante 10 anos. Dele ganhei dois volumes de Patronos e Acadêmicos। Passei a ler seus textos. Tornei-me ouvinte de seu vasto repertório de histórias ligadas à arte, à cultura, à antropologia e ao folclore. Com uma centena de títulos publicados e boa disposição para a prosa, Veríssimo conduzia a conversa que, geralmente, enveredava por roteiros literários e culturais. Frente àquele livro vivo e ambulante, a minha performance, na maioria das vezes, não ultrapassava a condição de ouvinte.


“de primeira água”


A prosa de Veríssimo era cativante e humorada. “Aberto a todo entendimento”, como diz Dorian, ele exportava seu repertório para jornais e livros de Recife, São Paulo e da Europa. Naquele período, além das colunas, ele escrevia um verbete para uma enciclopédia alemã. Lembro que Câmara Cascudo e Diógenes da Cunha Lima eram os “personagens” mais constantes na sua prosa quotidiana. Ele sabia que, para um sujeito da minha geração, estes dois ícones da cultura potiguar eram referências imediatas.

Foi durante essa convivência literária, no Gramil, que mostrei-lhe um caderno - como chamou ele mais tarde - contendo os poemas que havia escrito nos anos oitenta e início dos noventa. Corria o ano de 1994 e o Real entrava em cena. Encontramo-nos num seminário da UFRN, onde eu cursava o mestrado em Estudos da Linguagem, e ele participava de uma mesa de debates acerca da arte e da cultura popular. Junto com Deífilo Gurgel, discorriam sobre a viagem de Câmara Cascudo e Mário de Andrade, nos anos 20, pelo sertão do Rio Grande do Norte (Martins, Açu, Acari...).

Neste encontro na UFRN, disse-me haver lido meus poemas e que escreveria um texto sobre os mesmos. Anunciou-me ainda haver mostrado os textos a Diógenes da Cunha e que este me chamara de louco. Fiquei na expectativa quanto ao texto no jornal. O texto “Mensagem a um jovem poeta” foi publicado em 05/12/93 na coluna que o autor de Xarias e Canguleiros escrevia aos domingos na Tribuna do Norte. Veríssimo destacou 7 pequenos poemas.

Meu livro A Golpe de Íris nunca foi publicado. Mas guardo, junto aos originais, o belo texto que Veríssimo publicou, já que ele é o meu primeiro e único crítico, e escreveu: “... a sua poesia é de primeira água. ...A luz que ilumina a maioria dos seus versos é anunciadora de visão nova das coisas e do mundo”. Reporto-me à mesma palavra utilizada pelo autor no final do texto que a mim dedicou: Valeu, Veríssimo.