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domingo, 13 de dezembro de 2009

Sobre Benjamin e o Romantismo Alemão













Texto escrito a partir de seminário realizado durante o Curso de Doutorado na UFRJ em 1999



I – BENJAMIN, CRÍTICO CAPITAL DO SÉCULO XX


Um crítico é um leitor que rumina. Ele
deve, portanto, ter mais de um estômago
.

Schlegel


Os textos do teórico e escritor alemão Walter Benjamin (1892-1940) são fundamentais para entendermos as metamorfoses e desconstruções da modernidade, e as tendências da crítica e da teoria literária no século XX.

Construídos num estilo que aproxima procedimentos literários de dados referenciais e une reflexões metafísicas a passagens imaginárias, os textos benjaminianos seduzem. Neles convivem de forma dialógica a filosofia, a história, a literatura e outras artes, tornando interdisciplinar a construção de um saber que media o fazer ensaístico, o processo crítico, o discurso teórico.

Leitores de Walter Benjamin, vimos entornada a aura do poeta moderno ao vivificarmos “a modernidade e os modernos”. Tornamo-nos flanêur e habitamos, com olhar alegórico, o espaço das ruas e cidades iluminadas que o século XX engendrou. Através dessa visibilidade urbana, adentramos as galerias comerciais e as exposições de “Paris, capital do século XIX”; contatamos “as vísceras” de Berlim ao lermos em Alexanderplatz o que provoca “a crise do romance” (1930).

Esse trânsito urbano nos ensinou a tecer uma perene e inusitada sintaxe entre elementos da história, moda, arquitetura e mercadorias com o texto literário. Essa sintaxe benjaminiana em muito nos auxilia na leitura dos gestos humanos e das formas de habitar e sobreviver na cidade moderna.

Sob as sombras de Saturno, encenamos melancólicos, em ruínas, a Origem do drama barroco alemão (1925), e lendo “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica” (1935/1936) ficamos órfãos do sublime e do original. Mas resgatamos dos gregos, via cinema, a estética como ciência da percepção.

Constatando a impossibilidade de uma narrativa clássica - calcada na experiência e no exercício da oralidade -, optamos por outro estágio na arte de narrar. Elegemos “O narrador” (1936) “jornalista” - aquele que narra a partir do que vê (embora hoje o excesso de imagens faça Baudrillard pensar que o sujeito contemporâneo não tem mais a ilusão de rever a sua vida nos minutos finais da sua existência, como imaginava Benjamin).

Exímio crítico da modernidade, Walter Benjamin “traduziu”, dentre outros, Proust e suas memórias, Kafka, Brecht, Rilke, Gide, Zola, Wilde, Marx e Baudelaire. Erigiu um estilo a partir do qual é audível um “tom imaginário” no exercício crítico e no uso da teoria. Demonstrou com isso que a reflexão não merece ser necessariamente fundada numa “retórica do seco” ou distanciada e fria. Se as formas literárias são mutantes, por que não seria da ordem da ruptura o estilo ensaístico? Deve ter sido isso o que não entenderam os acadêmicos que rejeitaram a sua tese de livre-docência sobre a Origem do drama barroco alemão.

Devido ao fracasso dessa tese, Benjamin renuncia à carreira acadêmica. Diz sua biografia que ele passou o resto da vida no exílio, sem dinheiro, trabalhando como crítico e jornalista. Com a ascensão do nazismo na Alemanha, refugiou-se na Dinamarca. Depois, foi para Paris. Mediante a invasão das tropas alemãs, impossibilitado de atravessar a fronteira franco-espanhola, Benjamin suicida-se na Catalunia.


II - DUAS OU TRÊS COISAS
SOBRE O ROMANTISMO ALEMÃO



Segundo René Wellek (Conceitos de Crítica, 1963), a origem histórica do termo “romântico” aponta para, dentre outros, os seguintes significados: “como num romance”, “extravagante”, “absurdo”, “pitoresco” (p. 120).

Inicialmente utilizado na França e na Inglaterra, o termo “romântico” aportou depois na Alemanha - onde foi mais marcante, a ponto de influenciar outras atividades intelectuais como a filosofia, a história e demais artes. Para Wellek, duas razões justificam essa marca romântica na sensibilidade alemã: “O Iluminismo alemão foi fraco e de curta duração” e “A revolução industrial tardou a chegar” na terra de Goethe, Hesse, Man (p. 150).

Na Alemanha, o contraste entre o clássico e o romântico, foi formulado por, dentre outros, Schlegel. Ele leu o Romantismo como um estilo associado a algo “progressivo e cristão”. Segundo o autor, a poesia clássica não diferençava “verdade e aparência”, “seriedade e jogo”, seguindo os meandros mitológicos e evitando os “conteúdos” históricos.

Já a poesia do Romantismo é sedimentada em “bases históricas”. Leiamos Schlegel em sua “Carta sobre o romance”: “Você não estranhará que eu tenha acrescentado aqui o elemento confessional quando tiver conhecido que o fundamento de toda poesia romântica são histórias verdadeiras” (p. 69)

Afirmando que a poesia clássica centrava-se na mitologia e que a poesia romântica ressente-se de “um centro”, Schlegel ressalta a necessidade de sua geração produzir uma mitologia moderna. Segundo o autor, essa mitologia deveria ser erigida “a partir do mais profundo do espírito” e não da produção dos sentidos.

Além dessa profundidade espiritual, a proposta dessa nova mitologia inclui o fenômeno do idealismo como algo central. Sobre ele, discorre Ludoviko (Schelling) no seu “Discurso sobre a mitologia”:

“O idealismo, que no aspecto prático nada é senão o espírito dessa revolução ...uma modalidade de manifestação do fenômeno de todos os fenômenos: a humanidade lutando, com todas as forças, para encontrar seu centro” (p. 52).

Além dessa crença ingênua de encontrar um “centro”, os românticos acreditavam que esse idealismo daria origem a um “novo realismo” manifesto em suas produções poética. Estas seriam “amparadas” “na harmonia do real e do ideal” (p. 53).

Em sua Conversa sobre a poesia – texto inspirado na forma platônica do diálogo –, Schlegel ressalta o modelo criado por Goethe como parâmetro a ser seguido pelos alemães. Ao fazê-lo, aponta os objetivos para o seu objeto de crítica, e tenta caracterizar o texto poético do Romantismo da seguinte forma (fragmento A 116):

“A poesia romântica é uma poesia universal progressiva. Sua determinação não é apenas a de reunificar todos os gêneros separados da poesia e estabelecer um contato da poesia com a filosofia e a retórica”.

Na leitura de Schlegel, a produção do romantismo objetiva uma espécie de ruptura de gênero, além de sugerir um espaço para a “cultura maciça” e o humor. Para o crítico, a poesia romântica “também quer, e deve, fundir às vezes, às vezes misturar, poesia e prosa, genialidade e crítica, poesia artística e poesia natural, tornar a poesia sociável e viva, fazer poéticas a vida e a sociedade, poetizar a espiritualidade, preencher e saturar as formas de arte com toda espécie de cultura maciça, animando-as com as vibrações do humor” (p. 99).


III – A MODERNIDADE ROMÂNTICA


Na história do romantismo esboçada por Schlegel, autores como Dante, Petrarca e Boccaccio surgem como “fundadores” da moderna literatura romântica. Shakespeare e Cervantes são exemplares no exercício da fantasia romântica, e Goethe é lido como o modelo ideal para o cânone alemão.
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Interessante observar como na moderna visão romântica a arte e a ciência estão relacionadas, e a atuação de ambas pode manifestar-se no discurso da poesia (p. 46). Nessa visão que relaciona arte e ciência, a física ganha destaque capital. Pela lente dos românticos, a disciplina de Newton é vista como um saber mediador para a construção de um discurso que, resgatando o antigo, capta “o sentido da época” (p. 80). Num dos seus fragmentos Schlegel afirma: “Se queres penetrar no íntimo da física, inicia-te nos mistérios da poesia” ( I 99 - p. 115).

A modernidade romântica é sinalizada também noutro fragmento radical de Schlegel: “Poesia só pode ser criticada por poesia” (L 117 - p. 91). Tal assertiva aponta para a idéia do poeta-crítico da modernidade, sujeito consciente do fazer poético e da história do próprio poema. Também o respeito à idéia moderna da fragmentação é herança romântica. Schlegel admite que enquanto “muitas obras dos antigos acabaram como fragmentos”, estes constituem a forma de muitas obras modernas.

Lembrando Freud e seus estudos acerca do sonho, a partir do fragmento, Victor-Pierre diz que “o trabalho do fragmento consiste portanto em duas operações: condensação e deslocamento”. Essas operações estão presentes no texto de Benjamin, para quem o sonho é um objeto de estudo importantíssimo. Principalmente nos fragmentos de Rua de Mão Única.

Exemplo metalinguístico dessa crítica fragmentação romântica é a forma do texto da própria Conversa sobre a poesia. Em um dos seus fragmentos diz Schlegel: “É preciso que um fragmento seja como uma pequena obra de arte, inteiramente isolado do mundo circundante e completo em si mesmo, como um ouriço” (A 206 - p. 103).

“Como um ouriço” eram alguns dos próprios poetas românticos. Os românticos eram lindos, loucos, irônicos. Faziam apologia à individualidade e à reflexão. Estetizavam o sentido harmônico e o sentimento amoroso. Gostavam de um dilema afetivo; adoravam uma baixaria provocada por sua excelência – o amor. Românticos pediam muito respeito para os mitos e deuses antigos. Criam que “o divino” só se manifestava na ordem natural e acreditavam em muitas coisas das quais os modernos, desconfiamos: originalidade, modelo, totalidade, inspiração... Eles tinham mania de transferir para o página o que vivificavam na pele. Como isso parece debilitar ou matar, a maioria morria cedo supervalorizando as convicções e aqueles conceitos nos quais acreditavam.

Novalis dizia não ter dúvidas ao afirmar que “a virtude do homem, o valor que o caracteriza, é sua originalidade” (p. 56). Tieck, revelando sua porção aristotélica, pedia para ninguém esquecer “do modelo”: alegava que este seria “essencial” para guiar uma arte que, de olho na “altura” do passado, sonhava “contradizê-lo em um futuro melhor” (p.79).

Mas são também risíveis os românticos: “Anotações para um poema são como lições de anatomia sobre um assado” – teria sentenciado, num fragmento a ele atribuído (A 40- p. 95), o “gastropoético” Schlegel. O mesmo que em sua “Carta sobre o romance” fazia apologia à fantasia de Richter, por ser esta fantasia “muito mais doentia” que a de Sterne. Ele também afirmava ser a loucura “a coisa mais linda que pode o homem imaginar” (p. 64); embora noutro fragmento admita o teórico que o belo é “aquilo que é, simultaneamente, atraente e sublime” (A 108 - p. 97). Um conceito de beleza eternamente voltado para o natural.

Mas a antena do romantismo já captava a lição que seria ministrada, de forma consciente, na modernidade: poesia é “viagem via linguagem”, produção de linguagem. Poesia é linguagem carregada de signo - como ensina vovô Paund. Não foi outro o legado dos românticos: “reconhecer que a linguagem seja, dentre todos os recursos do espírito da poesia, o que lhe está mais próximo. A linguagem, entendida originariamente como idêntica à alegoria, é a primeira ferramenta espontânea da magia” (p. 78) É o que diz Schelling, remetendo-nos à distinção que faria Benjamin entre símbolo e alegoria.

Para o autor da Origem do drama barroco alemão, enquanto o símbolo permanece igual e na esfera da ordem e da repetição, a alegoria desenvolve “formas sempre novas e surpreendentes”, revelando ambigüidade, multiplicidade de sentidos. Para Benjamin, as alegorias são no reino dos pensamentos o que são as ruínas no reino das coisas (p. 200). Após este estudo em torno de um tema barroco que foi rejeitado, pela academia, como tese de livre-docência, Benjamin volta as suas lentes para um outro estilo de época na literatura alemã: o Romantismo.

Tendo como roteiros a reflexão em torno da crítica de arte e a produção de autores como Schlegel, Fichte e Novalis, Benjamin escreve, na Suíça, a tese de doutorado O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão. Esta tese obteve nota máxima, “summa cum laude”. Mas isso é outra história. Merece outro texto.


BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão.
____ Magia e Técnica, Arte e Política.
____ Rua de Mão Única.
____ O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão.
____ “Paris, Capital do Século XIX” in Teoria da Literatura em Suas Fontes. (org.). LIMA, Costa Luis. Rio de Janeiro: Francisco Alves
SCHLEGEL. Conversa Sobre a Poesia.
WELLEK, René. Conceitos de Crítica.