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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Osso, luz


...
e pode às vezes
(o poema)
com sua energia
iluminar a avenida
ou quem sabe
uma vida

Esses versos de Ferreira Gullar fazem parte do poema “Inseto”. Esse poema está no livro “Em alguma parte alguma” que o poeta acaba de lançar. O livro faz parte de uma extensa bibliografia composta de diferentes formas como poesia, música, literatura infanto-juvenil, teatro, crônica, tradução, ficção...

Dentre os livros de poesia de Ferreira Gullar, três títulos podem ser lidos como textos representativos da poesia moderna produzida no Brasil: “A luta corporal”, “Dentro da noite veloz” e “Poema Sujo”. Muitos temas e formas desses volumes publicados na décadas de 60 e 70 estão no livro “Em alguma parte alguma”. Aqui temos novamente as frutas podres na quitanda ou amadurecendo sobre a mesa, vemos os velhos personagens do Maranhão, lemos nomes de ruas do Rio, relemos bichos (haja gato, aranha, rato...) e, dentre outros, um infindo exercício metalingüístico através do qual a trindade corpo-poema-cidade ganha vida e dialoga sem subordinação lingüística ou estética.

Esse diálogo entre o corpo, o poema e a cidade vivifica o ser e estar no espaço cotidiano. A vida vira um problema de linguagens e espantos. O escuro ganha necessidade de forma, como na abertura do poema “Bananas podres 4”: “É a escuridão que engendra o mel/ ou o futuro clarão no paladar”.

É do sol cotidiano que Gullar desentranha grande parte da sua poesia. O poeta sente na boca “o alarido do sol”. O cotidiano é sugado pela boca, pelo olho. Paladar e visibilidade engendram esse cotidiano do poeta moderno romanticamente atravessado por relâmpagos e clarões. Muitos relâmpagos. Pequenas epifanias. Não as epifanias à lá Clarice e Caio onde a luz atravessa, geralmente de forma atordoada e sã, o corpo de quem vê e frui. Em Gullar a luminosidade faz sua travessia nas próprias coisas, no cotidiano mais chão, de onde brota uma poesia feita de pequenos esplendores, assim:
...
mas o perfume daquelas frutas
que feito um relâmpago
desceu na minha carne
... volta a esplender

A juventude não é tudo

No próximo dia 10 Gullar completa 80 anos. Merece todas as comemorações, prêmios e reflexões. Na leitura madura (“A maturidade é tudo”) de Alfredo Bosi que abre o livro, o crítico indaga se materialismo e metafísica “podem conviver em amorosa tensão”. Concluída a leitura de “Em alguma parte alguma”, o leitor sabe que pode conviver sim. Pode casar luz e osso. Pode sugerir relações estéticas, filiações literárias que não acabam nunca.

Mas nesta poética onde Bosi ouve Drummond, meu ouvido escuta Cabral (embora uma tonalidade concretista ecoe de quando em vez dos muitos versos entrecortados, de algumas palavras fragmentadas ou de algumas estrofes alinhadas como nos tempos que o mundo era concreto). Dessa fonte ecoam, desde há muito, “Barulhos”, “Muitas Vozes”...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Esaú e Jacó

Como um segredo cansado
de sua mudez, bebeu a luz
da manhã e narinas abriu
ao pasto aberto sob o sol.
Vexado de tanta luz, bradei:

Tabuadas da minha infância
ai, Cartilhas, dai-me o gosto
de cobrir feras e descobrir,
a título de novos ares e elos,
Lili e o Lobo entre Letras.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Tua presença faz a vida me acertar







Após a travessia de túneis escuros, declamo de cor o primeiro verso do “Ulisses” de Pessoa: “O mito é o nada que é tudo”. Só quem atravessou túneis, adros, pontes, passadiços... sabe desta matéria concreta. Matéria da qual são feitos os sonhos e construídos mitos. Sei dos esquemas capitais e do cargo que atualmente assumes na prefeitura. Como amante de fluxos e movências, te ocupas com a decapitação de monstros que atanazam os munícipes e com o investimento na produção de teus filhos e eleitores, correto?

Prossigo com alma lavada. Lavada na chuva sobre o telhado da casa de campo. A imagem irriga em ti amores idos. Uma mulher reluz numa pegada pós-chuva. Pegada que você narra com as garras de quem apaga a luz para que a lanterna brilhe azulando a escuridão da sala e o pau quebre.

Bebo no brilho da lanterna deste olhar que tenta petrificar o instante. Os versos às vezes ardem, sei. Zunem no canteiro noturno. Procuram pouso. Versos abrem estradas. Dançam na noite da floresta negra. Letras dizem para eu plugar a boca no branco como cor que restaura a poça da vida. Mergulho no avesso desta pele. Vou fundo até ouvir o ronco que me conduz pela estrada noite adentro. A guia é toda tua. A mão que aperta, também. Desço pelo túnel escuro com trilha sonora de tua tosse. Não reclamo qualquer zunido; a tua presença faz a vida me acertar.

Sabes, por escrito, da “estima exponencial” – eu disse com todas as letras. Recuperando a memória afetiva, ordenas fragmentos de uma história repleta de cheiros, chás, suores, corpos em estado de sítio ou liquidação. Sob as bênçãos de Santa Libido, rogai por nós. Com a determinação de uma mancha que, lambida, vira signo. Assinatura corporal.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Mensagem a Um Jovem Poeta

Em texto publicado em 1993, no Jornal Tribuna do Norte, de Natal-RN, o escritor Veríssimo de Melo destaca os seguintes poemas do meu livro inédito A Golpe de Íris.

@
língua do pé

a lâmpada
do corpo
é o olho

@

às íris de todas as cores

luz alta nos cruzamentos


@

meio dia

no silêncio do solo seco o nada
esculpido na galha da mata rala


@

acústica punk

noite passada
em claro
pelos escuros
atalhos
de la pasion


@

madrugada

no silêncio hóspede
da coisa a posse

repasse: o que
somos ela e eu


@

prece a Iemanjá
...
que
os pingos
desta chuva
sobre o mar
dêem a ti

toques

acerca de
raio, imã
tempestades
e barcos
no cais

@

Pureza noturna

grilos estupram o silêncio