domingo, 21 de junho de 2009

Roberto Machado lê Michel Foucault





Resenha publicada nO Jornal de Hoje, Natal, 08/12/1999


Em Foucault, a filosofia e a literatura, Roberto Machado dialoga com grande parte da obra do filósofo francês, de quem foi aluno e amigo. Dentre os livros de Foucault que engendram o texto de Roberto, destacam-se: A arqueologia do saber, Ditos e Escritos, História da Loucura, As palavras e as coisas, Doença mental e psicologia, Nascimento da clínica e Raymond Roussel. Além dessas obras do filósofo cuja bibliografia erige uma "genealogia" do poder na sociedade moderna, Roberto mantém intertextos com, dentre outros autores, Freud, Derrida, Nietzsche, Bataille, Sade, Kant e Blanchot.

Quatro capítulos compõem o livro de Roberto: “A loucura”, “A morte”, “O ser da linguagem” e “O ocaso da literatura”. Além disso, o texto é acrescido de uma conferência inédita de Foucault - “Linguagem e Literatura” -, pronunciada em Bruxelas, 1964, e traduzida pelo próprio Roberto, com colaboradores. Nesta conferência, a literatura é lida enquanto linguagem “iluminada, móvel e fraturada”.

Ressaltando que Foucault sempre pretendeu pensar o moderno, “situando-o em relação ao clássico”, Roberto Machado relaciona a estrutura da História da Loucura (Michel Foucault) com O nascimento da tragédia (Nietzsche). Segundo o autor de Nietzche e a Verdade, o “romantismo” dessa tese de doutorado de Foucault tem a ver com esse livro de Nietzsche, e a experiência dimensionada na História da Loucura diz do sentimento trágico herdado da filosofia nietzschiana.

Na leitura empreendida por Foucault, somente a partir do século XIX a loucura passa a ser lida, pela psiquiatria, como doença mental. Em seu texto, Roberto destaca as três épocas históricas da “loucura em sua relação com a arte e a literatura”. No Renascimento, a loucura surge de forma positiva e tem em Shakespeare e Cervantes seus ícones. Na época clássica o louco sai de cena, para voltar na Modernidade quando a experiência literária resgata a loucura “encenada” no Renascimento. Foucault lê o limite enquanto elemento a partir do qual se estabelece a relação entre a loucura e as obras de arte, diferençando-as.

No capítulo “A morte”, Roberto lê em Foucault a relação entre esse limite e a transgressão, ressaltando o limite da morte e o da linguagem sem mediação divina, depois da morte de Deus (Nietzsche). Neste 2º capítulo, Bataile invade a cena erótica associada ao sagrado, e o mal é interpretado como possibilidade de fundamentação. Sade surge como o primeiro literato a criar uma linguagem transgressora. Ele e Bataile aparecem, pois, como autores representativos da experiência entre transgressão e linguagem. O capítulo “A morte” trata ainda das conseqüências da morte de Deus para a experiência da linguagem. Segundo o autor, essa morte “significou o desaparecimento de critérios ou princípios universais externos a que a linguagem deveria se adequar...”

Ressaltando em Foucault a leitura da finitude kantiana, Roberto Machado tem no autor de Crítica da Razão o marco inicial da era moderna. Neste contexto, a ciência positivista e a Revolução Francesa inscrevem-se como “acontecimentos” que acionam a modernidade. Para Foucault, a literatura é lida como fenômeno moderno, e a repetição transforma-se numa das "personagens" principais da cena literária patrocinada por esta modernidade.

“O ocaso da literatura” trata da visão de Foucault sobre a crítica de arte e a crítica literária em A arqueologia do saber. Aqui, Roberto atesta a mudança do discurso de Foucault acerca do literário. Ao filósofo interessa agora saber em que condições “o sujeito pode aparecer na ordem do discurso”. Roberto demonstra como, depois de celebrar o literário nos anos 60, Foucault chega à década de 70 enveredando pelo elogio à militância política, abandonando o privilégio concedido ao esteticismo literário. Neste roteiro final, até Sade - antes lido como transgressor - ganha releitura. Sob o signo de Foucault e suas palavras, Roberto passa as chaves: pensamento e mutação têm tudo a ver. E nessa história, as palavras e as coisas de Dona Moral ficam totalmente de fora.