segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Esaú e Jacó: o outro, o leitor


Publicado em 1904, Esaú e Jacó é o penúltimo livro de Machado de Assis. Uma das primeiras coisas que chama sutilmente a atenção neste romance, é que se trata de um texto sobre a diferença. Uma prosa sobre a discórdia. Sobre temperamentos opostos às idéias políticas – republicanos, monarquistas. Uma narrativa sobre a ternura e o tesão, a glória e a agrura. Uma ficção do “desacordo no acordo”, “entre um ato e outro”...

Esaú e Jacó é um texto sobre o outro. Um texto sobre o leitor. Com ele, Machado dialoga o tempo todo. Nesse dialogismo, o autor pede que o leitor volte a página; ratifica ser melhor ler com atenção. Faz distinção entre homens e mulheres como leitores, e poupa o leitor apressado de alguns porquês. Esse diálogo com quem lê atravessa toda a narrativa. Nela predomina o intertexto com autores com os quais Machado dialoga ao longo de sua produção estética, como Homero, Dante, Cervantes e a Bíblia.

Como reza a “Advertência” do autor, Esaú e Jacó são os seis cadernos escritos pelo Conselheiro Aires com tinta encarnada. Leitor que amava a releitura, homem chegado às Letras clássicas, Aires escrevia bilhetes e cartas. Cordato, esse diplomata não era chegado a paixões nem casamentos. “Era homem de todos os climas” (Cap. XXXII). Tinha o feitio do solteirão que elege a solidão a ser atravessada a sós...

O sétimo caderno deixado pelo diplomata transformou-se no Memorial de Aires – último livro de Machado de Assis, publicado em 1908, ano de sua morte. Ambos os livros possuem como cenário o Rio de Janeiro – iluminado por lampiões de rua – que desde meados do século XIX até início do século XX constitui-se no espaço narrativo de Machado que nasce em 1839 no Rio.

É no bairro carioca do Catete onde mora Aires – o ex-ministro aposentado que oferece almoços (cheios de salmão e ofícios), para os gêmeos Pedro e Paulo e a bela Flora. É também no Catete onde termina o Conselheiro “apalpando a botoeira, onde viçava a mesma flor eterna.” Alguém vai morrer em Esaú e Jacó; e não é Aires. Ele e o seu memorial estarão vivíssimos no próximo romance de Machado.

A forma narrativa e o leitor ruminante

Com capítulos curtos de belos e inusitados títulos, o romance é formado de micro-narrativas, pequenos contos, canções sertanejas, quadrinha espanhola, ditos populares relidos e personagens cujos olhos trazem a ironia acesa nas retinas. Ironia e humor. Há bastante humor em Esaú e Jacó. Neste livro, o autor elucida parte do seu processo narrativo, através de um exercício metalingüístico que diz: “... porque há estados da alma em que a matéria da narração é nada, o gosto de a fazer e de a ouvir é que é tudo.”

Acerca da leitura crítica, Machado dialoga com o alemão Schlegel, de Conversa sobre a poesia e Outros fragmentos que diz: “um crítico é um leitor que rumina। Ele deve, portanto, ter mais de um estômago". No diálogo que aciona com esse autor romântico alemão, o romancista que rompeu com a linearidade da nossa narrativa escreve: “O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por ele faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade...”