Com produtivo trânsito entre os universos da literatura e do jornalismo, João Antonio assumia ser o tipo de escritor atraído pela cultura popular e que preferia escrever sobre coisas experimentadas, coisas vividas na carne. Neste sentido, vários dos seus personagens remetem ao exemplo do narrador clássico. O narrador clássico é aquele calcado na oralidade, fincado na fala cotidiana. Ao narrar, ele recorre ao seu “acervo” de experiências próprias e alheias, a fim de inscrever a sua aprendizagem, a norma de vida que deseja repassar, como nos ensina a lição do Walter Benjamin.
Essa recorrência a uma narrativa que testemunha a experiência de vida e da memória, como no texto “Corpo-a-corpo com a vida”, possui uma profícua linhagem em nossa literatura. A essa linhagem filiam-se autores da maior importância como Graciliano Ramos e Lima Barreto. Ambos são lidos como parâmetros estéticos para a abordagem temática do cotidiano das camadas populares e das linguagens produzidas nas margens da sociedade brasileira. Assim como João, estes dois autores não enfeitam. Eles detestam a gordura literária; leia-se: eles deletam a grandiloqüência.
Sem cânone nem leitor
O próprio João Antonio considerava Lima Barreto o “maior romancista” da chamada “República Velha”, sendo Afonso Henriques de Lima Barreto o primeiro nome que aparece na dedicatória de Malagueta, Perus e Bacanaço. Por esse motivo, curto a leitura de Antônio Arnoni Prado ao reconhecer a filiação tonal da narrativa de João Antônio à escrita social de Lima Barreto; isso se pensarmos em questões como ética, forma social e estética.
Essas questões podem ser aferidas na leitura dos contos de Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), sucesso imediato de crítica que outorgou ao autor dois prêmios Jabuti (revelação de autor e melhor livro de contos). Nas relações traçadas entre as ações dos personagens de João Antonio e suas falas, o texto e o contexto dialogam de forma determinante para a produção das linguagens que o autor constrói. Essa construção leva em conta a oralidade da tribo da qual faz parte o autor e a visibilidade cortante que perpassa a retina do seu cotidiano concreto e carnal de sinucas, tampas, Cafua, fome, galinha, barrigas, lutas...
Apenas um seleto grupo de leitores conhece a obra de João Antonio. O autor de Malhação do Judas Carioca é lido por poucos e importantes nomes da crítica literária. Sua obra é ainda pouco estudada no universo acadêmico onde merece, sem dúvida, maior divulgação. É urgente a leitura deste autor não inscrito no cânone nacional. Principalmente para os alunos dos cursos de Letras.