A leitura da tradição nos mostra que as relações entre o tempo e o espaço, a leitura do topos, o foco narrativo, sempre despertaram muito a atenção do leitor. Essas leituras e relações sugerem que algumas obras literárias não são orientadas por um tempo linear, sucessivo, nem delimitam o espaço de sua inscrição a partir de dados geograficamente definidos.
A escrita dessas obras caracteriza-se por, dentre outros, dois procedimentos: a atenção para um tempo sincrônico – onde diferentes eras dialogam – e a leitura de imagens que remetem aos espaços mentais, virtuais. Estou pensando no tempo e nas imagens criados por autores como Cervantes, Camões, Lewis Carrol, Borges... Eles criaram alguns personagens e alguns espaços como grutas, ilhas, países e planetas que lecionam – para leitores de carne e osso – os seus cenários reais.
Cervantes – a quem Borges imitava quando começou a escrever – criou a gruta de Monterinos para as visitas de Dom Quixote. A Ilha dos Amores – espaço onde Cupido leciona amor – foi criada por Camões em sua odisséia sobre os portugueses, Os Lusíadas. Lewis Carrol construiu o País das Maravilhas que é visitado e relido por leitores de diferentes eras e gerações...
Nestes espaços-textos, as noções de tempo sucessório não existem. O que conta é a capacidade de inventar a partir da sincronia. Conta o desejo de tecer relações, criar formas do material imaginário. Poder negar o tempo linear e o seu direcionamento histórico. Desdenhar o referente. Rasurar a identidade estática individual. Desconfiar da existência de um “sentido racional para o universo” (Monegal) ... Tudo isso me faz pensar num planeta inscrito por Borges em Ficções, cujo nome é Tlon...