Uma versão deste texto foi publicada nO Jornal de Hoje, Natal, 12/01/1999
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Para Regina, Lenita e Rute Pinheiro
Uma educação pela pedra, por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
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João Cabral de Melo Neto, "A Educação da Pedra"
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Com Itacirica, a pedra que pensava (INL/Abril Cultural/MEC, SP), o professor e escritor Waldson Pinheiro ganhou o Prêmio Mobral de Literatura/73. No prefácio do livro, o poeta Mauro Mota diz que o texto de Waldson ensina as coisas e ensina o melhor jeito de ensinar as coisas. Crendo no valor didático e comunicativo da narrativa, Mauro conclui: "Provocada por um romancista, a pedra abre-se e comunica-se fora da solidão e dos silêncios de pedra".
Lidando com o inusitado de criar uma personagem-pedra, Waldson parodia a (im)possibilidade da fala dos que não têm fala. Dá voz a um ser da natureza, num procedimento semelhante aos dos autores românticos que se utilizavam dos nossos cenários e simetrias tropicais para criar poemas, ensaios, narrativas... Na trilha aberta pelo Romantismo - que inscrevia um projeto identitário para o país e estetizava o indígena na categoria de herói -, Waldson leciona nossa história de costumes herdados dos indígenas (como as queimadas dos roçados) e nosso ritmo provido dos homens da cor da noite. O autor ressalta ainda a porção ecológica do indígena, nossa herança antropofágica, os costumes portugueses e africanos. Para o autor, "a raça daqui vai se misturando cada vez mais. Antes era só sangue de branco com sangue de índio. Agora acrescentou sangue de preto. E se dessa misturada sair uma raça amiga da boa paz, pra que coisa melhor? É levar a receita para outros cantos" (p. 90).
Escrito numa linguagem clara e direta, Itacirica... exibe - em seus 10 capítulos - lendas, relatos históricos, questionamentos existenciais e uma profissão de fé para o bicho homem. Otimista, Waldson outorga memória e discurso para sua personagem. O fato da pedra narradora possuir um memorial e deter o poder da linguagem transforma-se em signo de possibilidades para esse bicho que, às vezes, mais parece ordinário do que extraordinário em virtude das adversidades sociais e culturais que o cercam.
No espaço narrativo, o autor opera com o extraordinário, o maravilhoso. Num procedimento poético, a pedra nomeia as coisas humanas e, utilizando-se da linguagem coloquial, de provérbios e ditos populares, recicla-os, apostando numa didática incomum. Ouçamos a pedra que pensava lá com seus torrões: "...o mesmo dia foi da caça e do pescador." (p.47) Ou: "...e, um belo dia, bumba! meu boi, ela despenca do poleiro e lá vem rolando, que é mesmo arreda, senão eu passo por cima" (p. 28) E através da ação da linguagem a pedra inscreve-se, como demonstra essa recriação de ditos populares: "Vento frouxo em pedra fixe/ Não se arreda até que lixe" (p. 16).
Como o poeta mineiro de Itabira que tinha uma pedra no meio do caminho, Waldson também inscreveu a pedra do seu roteiro. Ela, como a pedra do itabirano, fala. Diz na sua mudez de signo que aponta, rola, refaz. Cria limo. Pedra que move. Vira fragmento de outra pedra que pensa, de forma concreta, homem que fala. Basta ouvir Gregório Pinheiro - neto de Waldson que, aos 6 anos, conhecia 4 idiomas: falava português e espanhol; estudava inglês e catalão. Basta antentar para as antenas e raízes de Larissa Spinelli, atualmente cursando mestrado na UFRJ. Waldson Pinheiro viveu cercado de livros, letras e páginas. Falava e lia vários idiomas. Como o olhar pessoano do autor, verão seus netos a língua como pátria?
Lidando com o inusitado de criar uma personagem-pedra, Waldson parodia a (im)possibilidade da fala dos que não têm fala. Dá voz a um ser da natureza, num procedimento semelhante aos dos autores românticos que se utilizavam dos nossos cenários e simetrias tropicais para criar poemas, ensaios, narrativas... Na trilha aberta pelo Romantismo - que inscrevia um projeto identitário para o país e estetizava o indígena na categoria de herói -, Waldson leciona nossa história de costumes herdados dos indígenas (como as queimadas dos roçados) e nosso ritmo provido dos homens da cor da noite. O autor ressalta ainda a porção ecológica do indígena, nossa herança antropofágica, os costumes portugueses e africanos. Para o autor, "a raça daqui vai se misturando cada vez mais. Antes era só sangue de branco com sangue de índio. Agora acrescentou sangue de preto. E se dessa misturada sair uma raça amiga da boa paz, pra que coisa melhor? É levar a receita para outros cantos" (p. 90).
Escrito numa linguagem clara e direta, Itacirica... exibe - em seus 10 capítulos - lendas, relatos históricos, questionamentos existenciais e uma profissão de fé para o bicho homem. Otimista, Waldson outorga memória e discurso para sua personagem. O fato da pedra narradora possuir um memorial e deter o poder da linguagem transforma-se em signo de possibilidades para esse bicho que, às vezes, mais parece ordinário do que extraordinário em virtude das adversidades sociais e culturais que o cercam.
No espaço narrativo, o autor opera com o extraordinário, o maravilhoso. Num procedimento poético, a pedra nomeia as coisas humanas e, utilizando-se da linguagem coloquial, de provérbios e ditos populares, recicla-os, apostando numa didática incomum. Ouçamos a pedra que pensava lá com seus torrões: "...o mesmo dia foi da caça e do pescador." (p.47) Ou: "...e, um belo dia, bumba! meu boi, ela despenca do poleiro e lá vem rolando, que é mesmo arreda, senão eu passo por cima" (p. 28) E através da ação da linguagem a pedra inscreve-se, como demonstra essa recriação de ditos populares: "Vento frouxo em pedra fixe/ Não se arreda até que lixe" (p. 16).
Como o poeta mineiro de Itabira que tinha uma pedra no meio do caminho, Waldson também inscreveu a pedra do seu roteiro. Ela, como a pedra do itabirano, fala. Diz na sua mudez de signo que aponta, rola, refaz. Cria limo. Pedra que move. Vira fragmento de outra pedra que pensa, de forma concreta, homem que fala. Basta ouvir Gregório Pinheiro - neto de Waldson que, aos 6 anos, conhecia 4 idiomas: falava português e espanhol; estudava inglês e catalão. Basta antentar para as antenas e raízes de Larissa Spinelli, atualmente cursando mestrado na UFRJ. Waldson Pinheiro viveu cercado de livros, letras e páginas. Falava e lia vários idiomas. Como o olhar pessoano do autor, verão seus netos a língua como pátria?