quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Mito










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Texto escrito a partir de seminário apresentado durante o Curso de Mestrado em Estudos da Linguagem, na UFRN, Natal, 1994.



História e Sonho


O mito é o nada que é tudo
Fernando Pessoa, Mensagem


A mitologia pode ser lida como um conjunto de narrativas, signos e símbolos construídos no decorrer dos tempos, pelos mais diferentes povos, na busca de compreensão e sentido para a existência humana. Essa busca visa, na maioria das vezes, entender o que não é da ordem do visível.

Nessa tentativa de explicar o tempo e o espaço nos quais vivemos, o homem constrói um vasto arquivo de saberes e ações compostas por elementos físicos, espirituais e intelectuais, dialogando com dados referenciais e históricos que são repassados de geração a geração.

Os mitos estão relacionados a problemas internos e mistérios que perpassam várias etapas da evolução humana. Tanto para Freud como para Jung, a questão mitológica possui uma relação direta com dois universos complexos e interdependentes: a história e o sonho.

Em seu livro A Interpretação dos Sonhos (1900), Freud lê o sonho como a realização de um desejo, e interpreta a linguagem dos sonhos para pensar questões relacionadas aos mitos como, por exemplo, as suas formas expressivas.

Para Jung, em seu livro O Homem e os Seus Símbolos, os sonhos não são produtos do acaso, pois eles “estão associados a pensamentos e problemas conscientes”. A própria escritura do texto jungiano ratifica esta problemática: para decidir acerca da publicação desta sua última obra, o autor recorreu a recursos conscientes e inconscientes.

Jung teve o estudioso Joseph Henderson como seu colaborador. Escrevendo sobre os Mitos Antigos e o Homem Moderno, Henderson atesta estar a história antiga do homem sendo “redescoberta”, “através dos mitos e imagens simbólicas” que sobreviveram. Esse redescobrimento histórico torna-se viável porque para Jung a mente humana é produtora de sua própria história. Semelhante descoberta tem por base a convicção de que “a psique retém muitos traços dos estágios anteriores da sua evolução”. A psique significa, etimologicamente, a alma. Na psicologia freudiana, representa o aparelho mental.

Na interpretação que empreende em tono do inconsciente coletivo, o autor de Sonhos, Memórias e Reflexões, trata esse inconsciente como “a parte da psique que retém e transmite a herança psicológica comum da humanidade”. Essa conceituação jungiana nos remte a Doutrina dos Ciclos, de Platão, e ao Eterno Retorno, de Nietzsche, na medida em que os sonhos e os mitos de uma determinada época podem ser vivenciados e / ou decifrados num processo considerado atemporal.


I – O Herói, o mito mais conhecido

Pesquisas acerca de lendas, estátuas, desenhos, símbolos, templos, línguas... comprovam o que nos transmitem velhas crenças; atestam o vigor do mito nas sociedades modernas.

Dentre os vários e antigos mitos estudados por Jung, o mito do herói destaca-se como “o mais conhecido em todo o mundo.” Apesar das variações dos detalhes, o autor afirma que estes mitos possuem semelhanças no que se refere às suas estruturas. A sua leitura sugere haver uma seqüência típica nas ações do herói, mostrando que a sua experiência ultrapassa, na maioria das vezes, a experiência comum. Isso torna o herói um personagem extremamente sedutor, na medida em que ele experimenta e canaliza, na maioria das vezes, ações em prol de objetivos comuns e não apenas individuais.

O texto de Jung nos permite vislumbrar o “elo crucial entre os mitos arcaicos ou primitivos e os símbolos produzidos pelo inconsciente.” Essa produção inconsciente aponta para a importância que o sonho assume nas análises propostas por, dentre outros estudiosos, os psicólogos e literatos. Tais análises têm geralmente por base a “livre associação” desenvolvida por Freud.


II – Os conteúdos da psique


A relação entre os mitos arcaicos e os símbolos do inconsciente possibilita uma interpretação desses mitos e símbolos dentro de uma perspectiva histórica e tendo por base um “sentido psicológico”. Essas leituras sugerem uma confluência entre as teorias de Freud e Jung. Os conteúdos da psique transformam-se na matéria de ambos. Para o pai da psicanálise, “os mitos são projetados no céu depois de terem nascido em outro lugar e sob condições puramente humanas.”

Estudando a psique e sua relações com a libido (energia que flui nos processos e estruturas psíquicas), Freud destaca o desejo como algo que se verifica nas relações lingüísticas, sociais e sexuais; o que determina a importância do outro, do diferente na constituição identitária.

Segundo a pesquisadora Miriam Chnaiderman, este desejo que serve de objeto de estudo para Freud é também o que determina o estudo sobre as funções que Vladimir Propp elabora acerca da Morfologia do Conto. Neste estudo, “o conto maravilhoso na sua base morfológica” aparece também como um mito. Relacionando em “Sonho: conto e mito” as funções de Propp ao trabalho psicanalítico, Miriam conclui: “... as funções de Propp são constelações do desejo tal como é teorizado seja por Freud, seja por seus seguidores mais contemporâneos.”


III – O Mito Segundo Barthes

Relações entre Mito e História são ratificadas pelo teórico Roland Barthes. Desconstruindo as estruturas míticas cotidianas, o autor desvela em Mitologias (1957) a ideologia burguesa, através da leitura de obras de arte, produtos de alimentação e do consumo, personagens e personalidades, dentre outros.

Para Barthes, o burguês (o pequeno burguês) é incapaz de imaginar o outro, na medida em que este outro, pela sua diferença, constitui “um escândalo, um atentado à essência.”

Em Mitologias, o autor parece fazer psicanálise da própria sociedade da qual faz parte como pensador e teórico. Segundo ele, “o mito é uma fala escolhida pela história.” Nesta leitura barthesiana, além de fala, o mito anuncia-se como linguagem e forma.

Para Barthes, a história além de transformar “o real em discurso”, determina a vitalidade da linguagem mítica. No estudo dessa linguagem, o autor faz distinção entre os mitos relacionados à imagem e os mitos de conteúdo verbal. Nesse estudo, fica evidente a superioridade dos mitos imagéticos sobre os gráficos, já que a imagem “impõe a significação de uma só vez, sem analisá-la, sem dispersá-la”.

Os argumentos barthesianos nos fazem concluir serem as mutações dos mitos determinadas pela História, e que o mito surge do processo cultural, não sendo, portanto, nenhum produto natural. Embora postule “a imobilidade” da natureza.


ÍNDICE ONOMÁSTICO

Barthes, Roland
Freud, Sigmund
HendersonJoseph
Jung
Nietzsche
Platão
Propp, Vladimir