sábado, 6 de junho de 2009

As máscaras do feminino em Ana C.




Ensaio reescrito a partir do texto apresentado em 2004 na Escola Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro e publicado na Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades v . IV - n XIII, UNIGRANRIO, 2005


Freud e eu brigamos muito.
Irene no céu desmente: deixou de
trepar aos 45 anos...

(Ana Cristina Cesar, A teus pés)
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I

Como dizem os jovens do século XXI, "Demorô". Ou seja: demorou muito para que a mulher, o gênero feminino fizesse a sua inscrição na história de nossa literatura. Isso aconteceu somente a partir do século XIX, quando o Brasil tornou-se idendependente (1822), aboliu a sua escravidão (1888) e proclamou a República derrubando a Monarquia (1889). Nesse contexto de grandes rupturas políticas e sócio-culturais, teve início a formação do nosso cânone literário, cuja inscrição tem em Silvio Romero um dos seus ícones mais representativos.
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Embora nenhuma mulher conste na História da Literatura Brasileira (1888) escrita pelo crítico literário que foi também deputado, algumas escritora publicaram e destacaram-se nas letras nacionais daquele período. Dentre estas várias autoras, as atuais pesquisas acadêmicas registram três mulheres da maior importância. Uma dela é a potiguar Nísia Floresta (que escreveu cerca de 15 livros e foi, em Paris, amiga íntima do filósofo Augusto Comte). Outra é a maranhense Maria Firmina dos Reis - autora de Ursula (1859) - livro que é, segundo a ensaísta e pesquisadora Constância Lima Duarte (UFMG), "provavelmente o primeiro romance abolicionista do nosso país". A terceira escritora a ser aqui destacada é a romancista carioca Julia Lopes de Almeida, que durante mais de 20 anos publicou livros e manteve uma coluna em O Páis.
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Havia passado, porém, quase quatro séculos de produção literária brasileira, quando a estética parnasiana inscreveu o solitário nome da paulista Francisca Julia e o seu volume de poemas sintomaticamente intitulado Mármores (1895). Depois da poeta de “Musa Impassível” e seus mármores partidos, algumas outras autoras fizeram com mais ênfase, no início do século XX, a sua inscrição nessa história. Mas foi apenas em 1919 que foi publicado o livro Espectros de Cecília Meireles. A partir daí surgia uma intensa produção poética, cuja "letra" e cujas etéreas impressões musicais – repletas de espelhos, nuances e essências – marcariam definitivamente o discurso literário de autoria feminina feito no Brasil.

Nísia Floresta, Maria Firmina dos Reis, Julia Lopes de Almeida, Francisca Júlia, Gilka Machado, Patrícia Galvão, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa, Clarice Lispector, Hilda Hilst, Orides Fontela, Olga Savary, Adélia Prado, Ana Cristina Cesar... A partir do século XX elas passaram a ser muitas. Tornaram-se vísvies. Aos poucos, as mulheres foram pontuando esta história mal contada e agora relida, como demonstram várias pesquisas atualmente publicadas. Uma dessas pesquisas, realizada pela UFMG, dá conta de mais de uma centena de poetas silenciadas pela história e agora reunidas no volume Tirando do baú: antologia de poetas brasileiras do século XIX[1]. Outra pesquisa, publicada em 1999 por Zahidé Muzart, registra 52 mulheres reunidas no livro Escritoras Brasileiras do Século XIX. Dentre elas, destaca-se a baiana Adélia Fonseca, poeta que recebeu elogios de Machado de Assis e de Gonçalves Dias pela qualidade de sua poética.
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II
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A maioria dessas autoras que escreveu poesia é agora chamada de poeta - e não poetisa - como também preferia ser chamada a escritora carioca Ana Cristina Cesar (1952 - 1983). Filha do escritor Waldo Cesar e de Maria Luiza, uma professora de Literatura Brasileira, Ana ditava, aos quatro anos de idade, os seus primeiros versos para a mãe. Em 1959, a pequena autora foi publicada na Tribuna da Imprensa, sob um sugestivo título: “Poetisas de vestidos curtos.” Estava, portanto, "marcada para escrever" - como diria ela num depoimento no final da década de 70 para o livro Retrato de Época, de Carlos Alberto Messeder.

Curta como a roupa da autora publicada no final da década de 50, seria também a vida da poeta. Ana viveu intensamente 31 anos. Sua existência por várias cidades – Rio, Niterói, Brasília, Londres, Paris – foi marcada pela rapidez, pela brevidade, e pela construção de uma "letra" que reflete, imagina, suaviza e corta; uma poética que pode ser associada, na leitura do poeta Armando Freitas Filho, a uma “pedra de gelo”, a um “ferro em brasa”.
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Ana Cristina viveu uma existência ao pé da letra. Na inscrição dessa "letra", o discurso estético e cultural da mulher e a temática do feminino são recorrentes. Apesar disso, rótulos como o de feminista não colem muito bem num universo heterogêneo, mutante e polifônico como o dela, onde não apenas o discurso e o texto, mas também a postura política e o comportamento existencial possuem um peso diferenciado, se comparados com o que vivemos neste início de milênio. É que ainda havia, nos tempos da Contracultura e da chamada poesia marginal, quando ela publica os seus primeiros textos, um certo culto às utopias e a crença em projetos grupais. Naquele contexto repressivo da ditadura militar, a busca por liberdade e a atitude existencial eram válidas. Por isso, o comportamento passou a ser lido “como elemento crítico” (Heloísa Buarque de Hollanda).

Como a maioria dos poetas de sua geração, Ana gostava de passar para o papel muito do que vivenciava na pele batida pelos ventos alternativos e marginais do seu contexto. A dezena de livros que compõe sua bibliografia o comprova, nos mais variados gêneros e em múltiplas formas literárias. Seja nas cartas ou nas micro-narrativas, nos ensaios ou poemas; seja nos escritos acadêmicas ou nas traduções que fez de autoras como Silvia Platz, Katherine Mansfield ou Emily Dickinson, há na poética de Ana C. uma visível “consciência erótica do literário” (Angélica Soares). Essa “consciência” pode ser aferida na inscrição do discurso do corpo feminino, na questão das máscaras sociais construídas pela mulher numa sociedade extremamente repressora e na problemática do desejo que serve de combustível para a sua escrita. Na poética de Ana C, corpo e desejo são signos de uma tessitura na qual, muitas vezes, não discernimos os dados biográficos dos elementos bibliográficos.

No ensaio “Literatura e Mulher: essa palavra de luxo”, a poeta carioca trata de duas autoras que são fundamentais para a Literatura Brasileira, e para a leitura da mulher e a problemática da inscrição do gênero feminino em nossa poesia. São elas: a carioca Cecília Meireles (1901 - 1964) e a mineira Henriqueta Lisboa (1901 - 1985). O ensaio de Ana C. não critica as obras dessas autoras e reconhece a maestria de ambas como poetas. A poeta de A teus pés volta-se, em seu esnaio, para a recepção das obras de Cecília e Henriqueta, e do lugar que os seus tons e as suas imagens inauguram em nossa literatura. Embora inclua em seu ensaio a escritora mineira Adélia Prado como uma “produção alternativa de mulher” (em relação às duas autoras consideradas ícones da modernidade e celebradas pelos nossos melhores críticos), é nas estéticas de Cecília e Henriqueta que Ana centra o seu alvo. Principalmente em Cecília.

Lendo a sexualidade volátil e intelectiva dos eus estetizados pela autora de Canções, Ana examina como essa dupla de poetas modernas contribui para inscrever uma identificação entre o que o censo comum considera poesia (principalmente a presença, no poema, dos elementos naturais) e o ideário feminino (algo que remete, desde o Romantismo, ao inefável, ao inatingível, ao idealizável). No exame dessa identificação entre o censo comum e esse ideário (construído pelo masculino?), a autora de Escritos no Rio relê a dicção e a “marca” feminina que as duas autoras nos legaram sem, no entanto, se colocarem como mulher. Nessa releitura, diz Ana [2]:

Tudo resvala, flui e anda nesta poesia. Em tudo isto é de feminina delicadeza, aflorando as coisas, os seres, com dedos fugidios, tocando-os de encantamento. Já aí começa a fugir. Esses dedos não agarram; intuem para logo transfigurar. As mãos a que pertencem são de fadas. A sensualidade volatiliza-se ou afunda-se em golfos de afetividade tão arguta e dilatada que leva à intelecção do mundo. Como os ouvidos de um cego que chegam a substituir a vista, o sentimento de Cecília Meireles ganha olhos que ultrapassam os fenômenos até as essências.

Essa leitura dialoga, de certa forma, com o “distanciamento do real imediato” e com o “sentimento de ausência” que Alfredo Bosi configura, em sua História Concisa da Literatura Brasileira, ao ler a poética ceciliana como representativa das tendências contemporâneas de nossa literatura. Em “Literatura e Mulher: essa palavra de luxo”, Ana sugere que, para acentuar as máscaras desse universo de fugas e vôos, de sentimentos profundos e essências, na poética de Cecília Meireles as coisas se tornam “a imagem de um sentimento, de uma experiência psíquica”. Ou seja: as coisas só existem em sua concrtude, a partir de uma remissão ao sentir. Sentida e musical, Cecília herdou, junto ao seu gosto pelas formas clássicas, o amor pela oralidade, pelos sons que se armazenam na mente, nas entranhas; isso, de forma geralmente suave como ouvimos, na maioria das vezes, em suas belas odes e canções que resgatam as estéticas clássicas e românticas.

Além do sentimentalismo impregnado nos elementos dessa poética, a ensaísta assinala nessas duas autoras o excesso de nobreza, o lirismo em altas doses e suas linguagens repletas de pudor. Essa leitura das "performances" literárias de Cecília e Henriqueta tem por base o contexto irônico e renovador do Modernismo. Ana C. é apaixonada pelos autores modernos. Sua geração dialoga com o humor e a irreverência dos nossos primeiros modernos. Principalmente com Oswald de Andrade. Além disso, Ana constrói intertextos e simulacros a partir da poética de Bandeira, como lemos na epígrafe deste texto. Além de dialogar com as “letras” de Cecília e Hanriqueta, a autora de A teus pés mantém intertextos com outros autores representativos da modernidade como Jorge de Lima, Carlos Drummond e, dentre outras, Elizabeth Bishop e Gertrude Stein, autora da Autobiografia de Alice B. Toklas – livro fundamental para as vanguardas dos anos 1910, 20 e 30.

Nas décadas de 20 e 30 o nosso Modernismo solidifica-se. Como sabemos, a estética moderna valoriza, ao ser inaugurada no Brasil, a fragmentação do texto, a síntese, os temas extraídos do cotidiano, a linguagem coloquial e um certo desprezo pelo rigor gramatical; tudo isso na tentativa de inscrever uma identidade nacional mais próxima da fala brasileira. Ao atentarmos para a produção de Ana C e para as duas principais autoras por ela lidas em seu ensaio de Escritos no Rio, percebemos que, quanto mais próximo dessa linguagem brasileira criada pelos nossos primeiros autores modernistas, mais nos sentimos na direção da dicção feminina que Ana viria a estetizar em suas múltiplas máscaras. São máscaras de mulher construídas a partir de tons que oscilam entre a suavidade e o corte. Essa oscilação é audível em trechos como este [3]: “Fiquei à escuta, tentei brincar de acordar sozinha, chamei Ângela cortante, às tesouradas, touradas, trovoadas de verão, punhal de prata.”
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III
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Se demorou muito para a mulher, para o gênero feminino e suas formas inscreverem-se em nosso cânone literário, demora não houve na leitura das máscaras que nossas autoras mais representativas construíram no final do século XX. A pluralidade de eus e de tons estetizados na poética de Ana C. (e na grande maioria das poetas contemporâneas) é exemplar de como a autora mascara as heterogênas vozes de seu texto. Em sua poética, ela desdenha o feminino de dicção nobre, isola os meio tons e as surdinas, e mescla um vocabulário culto com termos chulos, introduzindo no texto um olhar que, ao encarar a claridade e a escuridão, faz desistir as lupas (“Onde os seus olhos estão/ as lupas desistem”). É com base nestes procedimentos que Ana cria um recorte vocabular onde o hímen, o sovaco, o pau, a bota, a bicha e o batom, por exemplo, não ficam de fora.

Esse recorte dialoga pouco, nos poemas e nas micro-narrativas de Ana, com as nuvens, as flores, os despedaços e as canções que durante muitas décadas povoam o imaginário poético do feminino no Brasil. Quando os inscreve – as nuvens, as flores, os despedaços e as canções –, a poeta geralmente rasura a leitura original do signo. Essa rasura parece ter a ver com, dentre outros, a introdução do desejo como "combustível" de sua poética. E quando o desejo se faz presente nesta letra, há sempre um tom que resvala entre o afetivo, o contraditório e o cruel; inscreve-se nele - o desejo - um “embaraço”, uma “pontada” ou um certo mal estar, como ouvimos nestas desejantes vozes a seguir:

Movida contraditoriamente/ por desejo e ironia...

(A teus pés, p. 37)

A crueldade é o seu diadema...” O meu embaraço te deseja, quem não vê?. Consolatriz cheia das vontades. ...

(A teus pés, p. 41)

Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos
...

(Cenas de Abril, p. 67)

O desejo é uma pontada de tarde

(Luvas de Pelica, p. 95)

De ouvido nos discursos dessas máscaras, leio o desejo como um dos principais “personagens” dessa poética. Nela, a consciência literária de quem cria erige uma metalinguagem erótica, onde as relações entre o corpo e a escritura destacam-se como procedimento estético. Isso pode ser aferido mesmo quando o poema – curto e certeiro, como às vezes sugere o contexto da espera – apresenta ironicamente quatro personagens masculinos com o mesmo nome. Vejamos:

“NESTAS CIRCUNSTÂNCIAS
O BEIJA-FLOR VEM SEMPRE AOS MILHARES”

Este é o quarto Augusto. Avisou que vinha.
Lavei os sovacos e os pezinhos. Preparei o chá.
Caso ele me cheirasse... Ai que enjôo me dá o
açúcar do desejo.

(Cenas de Abril, p. 63)

O poema dá voz a uma mulher que se dar ao luxo de expor o seu enjôo na construção da cena do próprio desejo. Aqui o feminino se cansa e rasura os signos, a ele sempre atribuído, da espera e da fragilidade, da resignação. A afirmação esse olhar enjoado – esse outro jeito de esperar – inscreve o desejo sem ansiedade; instaura uma outra ordem corpórea e subjetiva, influindo na construção da identidade e da escrita. Em conexão com elas, o corpo e seus discursos desejantes erigem outras máscaras, constroem outra visibilidade poética.

A visibilidade caracteriza a "letra" de Ana C. Se Cecília é lida como a poeta da musicalidade, da audição das coisas efêmeras e fugidias, Ana pode ser vista como poeta da visibilidade. Poeta que vê coisas velozes, mutantes, perdidas. Ao inscrever esses elementos em sua escrita, ela ostenta uma outra máscara poética, que pode ser assim revista[4]:

Onde se lia flor, delicadeza e fluidez, leia-se secura, rispidez, violência sem papas na língua. Sobe à cena a moça livre de maus costumes, a prostituta, a lésbica, a masturbação, a trepada, o orgasmo, o palavrão, o protesto, a marginalidade.

Claro que outras vozes – delicadas e sutis – dialogam com essa “moça livre” cujo desejo gera o texto. A pós-modernidade pôs em cena essa relação entre desejo e escritura, corpo e linguagem. O texto pós-moderno encena a afirmando do corpo feminino como algo imprescindível para a construção dessa linguagem. Mais especificamente: para a construção de uma sintaxe. Numa carta do volume Correspondência Incompleta, Ana assume descaradamente sua paixão pelas “sintaxes coleantes” (o que nos remete à prosa assumidamente desejante de Luvas de Pelica). Diz a poeta em uma de suas cartas[5]: “É na sintaxe que pinta o meu desejo”.

Parte da gramática que trata da função e da disposição das palavras nas orações, e do lugar dessas orações no discurso, a sintaxe conduz o desejo no texto de Ana C. É através dela – a função sintática – que a poeta veicula as máscaras do seu discurso, dando a impressão que escancara para o leitor seu desejo. Isso ocorre, por exemplo, em “Samba Canção”, cujo título sinaliza a forma como as canções, as melodias são “entoadas” por Ana [6]:

...
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
...

Essa “estratégia” é aqui lida como uma das muitas máscaras que o feminino constrói nas suas releituras. Mas nada é simples nem direto nesta poética de vozes desejantes que dialogam com vozes de outras esferas da arte e da cultura popular (como no clássico “Taí”, do repertório da cantora Carmem Miranda). O desejo serpenteado na sintaxe poética de Ana delineia uma pluralidade de frases, possibilita a construção de orações e períodos que tecem outras formas e outros ritmos de dizer. Ou seja: trata-se de uma “estratégia” de linguagem; e nisso a gramática, sabemos, é rigorosa. A frase, por exemplo, caracteriza-se pela entonação que lhe assinala o começo e o fim. Oração sem verbo, nem pensar... O sujeito, os predicados, os períodos simples, os compostos... A sintaxe surfa de tanto desejo nas ondas da superfície, vejam; às vezes, sem levar em conta o sexo de quem senta ao lado, como neste trecho dos Inéditos e Dispersos:

Mas agora vem um vento frio sobre a minha pele quente, e mais quente ainda neste braço de poltrona onde se encontra outro braço, outra pele batida pelo vento...

Nesta poética, são muitas as máscaras (as “estratégias”) de que se vale o feminino para a inscrição do seu desejo, do seu discurso. Às vezes, a própria poeta dá bandeira, e revela sua opção pela máscara, como demonstra o seguinte trecho de uma carta: “Fico nas interioridades, nos conteúdos, nos recados convincentes, mas ai como namoro a rua, a cenografia o batom”.
Mas nem só dessa relação entre o que tenta convencer a partir dos interiores e o que propõe a visibilidade dos cenários urbanos, nem só de sintaxes desejantes é feita essa "letra". A preocupação com quem lê, o canal aberto ao outro, o diferente, constitui um outro “traço” do que se convencionou chamar de literatura feminina, seu desejo de confissão.
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Em Escritos no Rio, Ana lembra que esse feminino não é necessariamente escrito por mulher, e cita Guimarães Rosa como exemplo. Essa referência nos conduz à travessia do Grande Sertão: Veredas. Nesse texto, além de atentar para o interlocutor a quem se dirige durante toda a narrativa, o mineiro abusa no uso dos diminutivos e seus enunciados afetivos, geralmente mais audíveis no discurso feminino. Riobaldo é fogo; Diadorim, sua neblina. Rosa mistura fogo e neblina. Ana C. sabia que, entre os sexos, as diferenças são geralmente mais culturais. Ou seria a inscrição desse saber uma outra máscara da poeta?

BIBLIOGRAFIA

BEZERRA, Kátia da Costa. Tirando do baú: antologia de poetas brasileiras do século XIX. Pedro Leopoldo: Faculdade de Pedro Leopoldo, 2003.

CESAR, Ana Cristina. A teus pés. São Paulo: Brasiliense, 1982.

____ Inéditos e Dispersos. Freitas Filho, Armando. Org. e Introdução. São Paulo: Brasiliense, 1985.

____ Escritos no Rio. Freitas Filho, Armando. Org. e Prefácio. Rio de Janeiro / São Paulo: Brasiliense, UFRJ Editora, 1993.

____ Correspondência Incompleta. Freitas Filho, Armando e Hollanda, Heloísa Buarque. Org. Rio de Janeiro: IMS/ Aeroplano Ed., 1999.
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DUARTE, Constância Lima. "Apontamentos para uma história da educação feminina no Brasil - século XIX" in Gênero e Representação: teoria, história e crítica. Org. Constância Lima Duarte et alli. Belo Horizonte: UFMG/Fale, 2002.
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____ "História da literatura feminina: nos bastidores da construção de gênero" in Poéticas da Diversidade. Org. Marli Fantini Scarpelli e Eduardo de assis Duarte. Belo Horizonte: UFMG/Fale, 2002.

Gurgel, Nonato. Luvas na Marginalia. O narrador pós-moderno na poética de Ana C. (Dissertação de Mestrado). Natal: UFRN, 1996.

NOTAS

[1] Bezerra, Kátia da Costa. Tirando do Baú: antologia de poetas... 2003
[2] Cesar. Ana Cristina. Escritos no Rio. 1993. p. 139.
[3] Cesar. A teus pés. 1982. p. 84.
[4] Cesar. Op. Cit. 1993. p. 145.
[5] Cesar. Correspondência Incompleta. 1999. p. 42.
[6] Cesar. Op. Cit. 1982. p. 43.